A Casa do Marcel

Vamos, filhos da Pátria! O Dia da Gloria Chegou!

Atendendo ao chamado dos insubmissos, Simone De Lyon aterrissou na terra do Marcel em idos de 2006. Marcel Proust, Duchamp, Marceau,  Pagnol, e, principalmente, o Marcel Branco, aquela camisetinha sem manga com que homens bigodudos e de boina (geralmente levando uma baguete dura debaixo do braço) exibem seus peitorais campesinos ao som do acordeon nas ruas de Lutécia.

Simone era uma predestinada: não somente conhecia alguns Marceleses como já havia trabalhado para eles quando ainda vivia em sua terra natal. L’oréal, Louis Vuitton, Baccarat, Annick Goutal…quase nenhuma filial Marcelesa que se preze escapou dos desvarios de nossa anti-heroína (nenhum julgamento de valor, cada consome a droga que quiser).

Infiltrando-se quase sem querer nestas organizações de Marseleses, Simone passou a admira-los, como todo bom povo invadido. Elegantes e discretos, estes  verdadeiros chefes espirituais da civilização moderna instalam suas empreitadas multi-planetárias em endereços chiques do Brasa Hill (terra natal de Simone) e utilizam termos como “sensibilidade ao métier” para avaliar a competência de seus fiéis servidores.  A plateia ignara geralmente não sabe  muito bem o que isso quer dizer (falta total de gosto e de sensibilidade ao métier, justamente), mas quase estremece de luxuria: ninguém fica indiferente diante do carisma  irresistível de um Marcelês.

Terra do beijo de língua, dos vinhos e da boa gororoba (não necessariamente nesta ordem), a Marcelândia é o Eldorado de todo Brashilliense com alma de quatrocentão. Dizer que se trabalha pra uma empresa Marcelesa é sucesso certo nas festinhas e garantia de formações de rodinhas apaixonadas em reuniões sociais.  É bem provavelmente por esta razão que geralmente as empresas Marcelesas pagam (muito) mal: o status que ela confere é maior do que qualquer décimo terceiro.

Os detratores existem (a inveja est une merde, como diria Marcel Dupont*). Há quem afirme até que esses Marceleses na realidade não passam de pequenos e vis ditadores do bom-tom e que, por detrás de suas carapaças blasées,  oculta-se sub-repticiamente um certo gosto pelo sofrimento alheio (o que não é privilégio exclusivo dos Marceleses, diga-se de passagem). E, mais grave ainda, um indefectível complexo de superioridade. Mas o que importa? Marceleses são marceleses e eles podem tudo. Nada é capaz de abalar a admiração incondicional de Simone a esse povo tão evoluído (dizem que ela sofre na verdade de uma bela Síndrome de Estocolmo. Mas ela afirma veementemente que é pura intriga da oposição.)

Devota de Charles Aznavour, de Boris Vian, do creme brulée e da Nouvelle vague, Simone deixou-se levar pelo canto da sereia marcelesa. Depois de 7 anos trabalhando pra eles, botou a violinha debaixo do braço, tomou a naveta espacial e se instalou la, no coração da pátria do inimigo. Ninguém resiste aos apelos da grande dama hexagonal, de sua torre mítica e de suas grifes dos Campos Eliseos.

Hoje esta lá, pobre Simone, comendo a baguete que o diabo amassou. Mas enquanto puder comer também  um pacote de pain au chocolat, uma caixa de macarons da La Durée ou de chocolates Patrick Roger, ela continuará dando umas voltinhas de lambreta pelo inferno, feliz. A gula é o pior pecado da capital.

É por isso que, decidida a ganhar pontos no céu (o primeiro a estabelecer um sistema de pontos antes do Detran), Simone decidiu fazer uma boa ação: dividir com seus compatriotas Brashillienses  seu dia a dia na terra dos marceleses. Seus costumes, sua cultura pop, seus pontos fracos e fortes, ameaças e oportunidades (opa! Viu Simone, ter estudado marketing serviu pra alguma coisa, afinal!), suas esquisitices e coisas fabulosas a copiar – ou benchmarkings, como dizem por ai (o problema do marketês é que é mais contagioso que a gripe porcina). Não que ela ache que isso vai fazer com que babemos menos ao pensar neste pais. Mas babar sabendo porque se baba já é um ótimo começo.

Bom, o tempo obriga, marchons, marchons, como diz o sangrento hino Marcelês.  E, antes que Simone se vá por hoje, ela pede pra avisar que quase não há mais marceleses bigodudos pelas ruas de Lutécia. O acordeon, por sua vez continua firme e forte.

Ainda bem.

*PS: Marcel Dupont é o vizinho caminhoneiro de Simone. Sim, sim, caminhoneiros marceleses, eles existem!